domingo, 1 de março de 2020

Lágrimas


Lágrimas
Não é bom rir enquanto a alma ainda chora. É melhor esgotar todas as lágrimas, elas acalmam o peito e lavam os olhos da mente; e com a mente lavada, você pode enxergar o melhor caminho para os dias futuros.

Inteiro por pedaços


    Inteiro por pedaços

    Das frestas de um coração partido soam reclamos de uma alma que, frágil e ao chão, não consegue ecoar seus lamentos no peito daquele que, feito pedra, desnudou o encanto. E este coração, caído, sentindo que tudo está perdendo a cor, ver a vida escoando-se de um corpo que fissurado, vai perdendo os estímulos. Neste esvair-se, sente o envergar da viga, pelo peso do vazio que embaça os sentimentos, e então, esbraveja entoando a devolução da seiva e da respiração.
 Reconstruir um coração que era virgem e agora lacrima porque alguém o quebrou, é tarefa que, só o tempo pode lapidar os fragmentos, irrigar o vínculo e repor o viço. Pois é ele, o tempo, que rege a hora e clareia o amanhecer do recomeço.
 Os degraus do ciclo da vida não abrem mão do romper o que é virgem, misturar o que é puro, quebrar o que é inteiro e multiplicar o que é único; tentando justificar que é preciso aperfeiçoar para amadurecer.
 Como cada ser só se torna inteiro pela junção de pedaços, cada um se destina à busca da sua essência. O risco é: na ânsia de compor o que lhe falta, conclusões ilusórias o fazem forçar o encaixe de aparentes componentes que, quando parecem ter feito a harmonia de dois em um, desgarram-se extraindo o néctar e degenerando o mel que o favo espera acolher. E neste encaixa e desencaixa, o coração que busca a recomposição vai crostando-se e ressecando a fonte que goteja a regeneração.
 É o fim? Ainda não! Pois o “destino” fez o ser incompleto e carente; não isentou ninguém de ir à caça do seu inteirar-se; pôs em cada um a necessidade do seu encaixe, tal qual o côncavo peleja pelo seu convexo. E neste tanger os dias, por ainda não ser o fim, o coração se elege editor do clicar e virar a página, e mais uma vez, percorre suas pautas com os apelos dos sentimentos, sem dar ouvidos aos ditames da razão. Aí então ...

Folhas em branco


   Folhas em branco

Dependendo do meio ao qual é destinado a nascer, cada ser, ao vir à luz, é levado a uma sequência de passos, para os quais, não faz nenhum estágio, não recebe nenhum manual ou mapa, sequer uma alusão, apenas lhe é destinado, sem saber, um caderno com folhas em branco. Cada caderno tem a mesma quantidade de matérias, que representam as etapas a cumprir. Esta quantidade é comum para todos; o que varia é o número de folhas. Enquanto uns têm muito a escrever sobre tal período, outros têm muito pouco ou até mesmo nada. Para alguns, é algo muito prazeroso preencher as pautas, para outros não passa de uma brincadeira de mau gosto. Enquanto muitos se deliciam, ocupando várias folhas da sua etapa, outros só conseguem rabiscar, e por vezes, são rabiscos secos, pois foram espremidos e remoídos pelas prensas da vida.
Alguns preferem chamar este caderno de quebra-cabeça da vida. Eu prefiro chamá-lo de peleja dos dias atuais, tentando engrenar os dias futuros.
Muitos acham que podem correr as pautas do seu caderno, bem a seu bel-prazer; e talvez assim cumpram seu papel ilusório sem ser necessário amadurecerem; outros, têm o “privilégio” de descobrirem que nas pautas, já há, em cor pálida, escritos que eles apenas devem cobrir. Descobrem também que nem todos os cadernos são em preto e branco; que os que nascem em meios privilegiados, recebem cadernos em cores, e os não favorecidos os recebem em cor parda. E eu fico a imaginar: de qual cor devem ser os cadernos dos mortos vivos da África? Que cores devem dar à sua “bem-aventurança”, por terem vindo à “vida”?
No meu caderno, posso até dizer que encontrei algumas folhas que ensaiavam algo a colorir, mas, quando por frestas, enxerguei grandes molduras expondo quadros em preto e branco, elas se sombrearam antes de refletirem qualquer cor.
Nestes momentos de reflexão e comoção à flor dos sentimentos, surge a sensação de que, em cada página virada, ficaram entremeios obscuros que fizeram perder de vista a estrada a tomar, obrigando buscar atalhos que desviaram ou retardaram o que se pensava alcançar. E a nós, figurantes, não cabe saber se cumprimos bem ou não a figuração; certo é que, um dia, escritos e rabiscos receberão seu ponto final.


Palavras soltas


Palavras soltas



Palavras soltas vão-se com o vento; às vezes até ouvidas, mas vão se dispersando feito fragmentos de um calendário que o tempo esgotou; ou quando escritas, são deixadas em alguns recantos, assim como frases amareladas, esquecidas entre as folhas de um livro que um dia lemos. Por mais precisas que sejam, não mudam comportamentos, quando estes são movidos por desejos e buscas descabidas, pois sentimento é coisa desnorteada, desconhece a disciplina e a razão. Quando obstinado, perde a noção de limites e comporta-se com a pressa de quem não avalia se está prestes a ser presa ou predador. Pois só reflete quando é depreciado e deixado só. Mesmo assim, não demora ter nova sede e ordenar o desejo a se cumprir.

Josué Firmino

Aos ventos


       Aos ventos
         
      
Sementes jogadas do alto germinam e brotam aonde o vento levar. Dar bons frutos não depende só de zelo, mas da linhagem da qual foram colhidas. Assim são pessoas que mesmo sendo levadas por caminhos com margens secas, ainda assim, conseguem florir vida em olhares já murchos ou ressecados pelo tempo. Mas também há pessoas que, mesmo levadas a andar por caminhos com margens floridas, aos passos vão deixando sussurros espinhosos que ferem e extraem o colorido de olhares vívidos, fazendo-os perder a cor e o aroma.
Josué Firmino

Ficar ou ir?


 Ficar ou ir?

Entre desistir ou seguir, vale mais apena ir. Fugir, cedo ou tarde, vai te fazer lamentar por não ter como saber o que a ida teria a te oferecer.

Amadurecer é entender e aceitar que não há caminhada sem descaminho; que para colher a flor, temos que nos expor aos espinhos. Que mesmo com os olhos inundados e o coração torcido, temos que trilhar o presente e o porvir até o calendário de cada um esgotar.

Josué Firmino

Palavras que não refletem


Palavras que não refletem

     Sinto-me incapaz de sentir o resto de umidade que há num tronco seco, assim como me sinto incapaz de sentir o que falam as palavras de frases secas que dizem “compor” poesias. Talvez falte em mim o que tem as raízes que se enfiam nas terras secas e irrigam o verde das caatingas, encontrando vida onde não aparenta ter.

“Petiscos” da vida


 “Petiscos” da vida

A vida sempre está a nos propor caminhos a tomar. Longos e pouco atraentes, são os que nos constituem com resistência; curtos e tentadores são os que, quando prontos para degustá-los, nos despedaçam ao descortinar-se o véu. E como não é aí que a vida acaba, retomarmos nova caminhada é preciso. Como? Juntando os cacos. E se formos bons aprendizes, nos reconstituiremos com consistência e resistiremos às próximas opções de recaídas. Senão, seremos feito vasos quebrados e jogados ao refúgio dos excluídos.
Juntar os pedaços é sempre possível. E se bem reconstituída a junção, o vaso se torna mais consistente que os que nunca caíram,
Durante a nossa estada no caminhar da vida, seremos sempre aprendizes, e quem mais cedo aprender isto, diminui o risco de degustar os amargos e ardências camufladas pela beleza dos “frutos” que por eles somos atraídos.

Como estou!? (Aos Céus)


Como estou!? (Aos Céus)
                    

...estou de alma vazia; acho que é fruto da fadiga de crer, lutar e esperar por promessas, exclamadas por lábios que se diziam ser fontes de Vida. Pois há muito tempo, por mais que eu suplique, os mesmos lábios se calam e manifestam o silêncio como resposta, parecendo mais um coração seco que, igual um tronco que teve as raízes decepadas, agora só tem as cascas amargas a oferecer. Assim, continuo indo, igual a uma flor murcha, que ainda não morreu, mas já perdeu o perfume. Já não tenho muita empolgação em buscar o novo, já que ele também se tornará rotina. O que ainda me faz continuar, é tentar fazer do resto de mim, travessia ou suporte para que, os que me rodeiam, encontrem melhores caminhos, sem ter que tropeçarem tanto nos trechos obscuros do tempo. 

Quem é que...?


    Quem é que...?
  


Quem é que treme o peito com respiração cortada, quando eles vêm ao seu encontro, com olhos molhados por sonhos caídos?
Quem tem um coração que sangra, querendo dar colo e abraço, quando observa que tristes estão, aqueles que sempre lhe parecem pequenos?
Quem é que lagrima a alma, quando os descaminhos embaçam, o trajeto dos seus aprendizes?
Quem é que perde o sorriso, quando lhe faltam, seus Joões e Marias?
Quem é que nas orações esquece de si, e roga bênção aos que, lhe dão bravura e fé para caminhar os dias futuros?
Quem é que tem um coração, sempre de portas abertas e os braços estendidos, para num abraço, consolar e dizer que juntos encontraremos a saída?
Quem transborda nos olhos, sentimentos que nenhum jogo de palavras é capaz de dizer?



"Viajantes"


    "Viajantes"

     “Vocês são o Sal da terra. Ora, se o sal perde o gosto, com que poderemos salgar? Não serve para mais nada; serve só para ser jogado fora e ser pisado pelos homens” (Mt 5:13).
Se os discípulos eram o sal da terra, os bons princípios, enquanto sobreviverem, devem ser o sal da vida.
A opressão feita pelos novos costumes, desnudados de qualquer pudor, geralmente arrasta pessoas, fazendo-as crer que: o que estrutura e liberta, é seguir a “evolução” do que contagia o momento. E o refrão é: “se todos vão, eu também vou.” Seria bom lembrar que na libertinagem de Sodoma e Gomorra, todos foram ..., Ló, não foi; e o Dono da História, continua e continuará sendo O mesmo.
     O que Paulo disse: “Então, já não seremos crianças, jogados pelas ondas e levados para cá e para lá por qualquer vento de doutrina, presos pela artimanha dos homens e pela astúcia com que eles nos induzem ao erro ...” (Efésios 4:14), também vale para cada um, como seguimento de vida. Não é bom ir pegando cada onda que surge, levando a qualquer lugar.
     Seja vigilante, pois o “aproveitar” o momento é ilusório, e logo após o desconectar-se, o ser é depreciado, e por isto, é levado a buscar saídas emergentes, porém, aos tombos, nem sempre acha o rumo que o leve à fonte que goteja o evitar do dissabor.
Ao “viajar” nesses “viver a vida”, você pode estar perdendo o encanto, o apreço e esvaziando a mente; e como o tempo continua em marcha contínua, sem paradas para aguardar por quem optou por atalhos aparentes, essas tomadas de caminhos podem desordenar a cadência e te deixar apenas seguindo rastros e colhendo restos que a vida vai descartando.


Coisas do coração


   Coisas do coração

Quando os sentimentos começam a confundir a mente, nos impelindo a desejos impulsivos, aí não tem jeito, é quase impossível nos libertarmos da condição de reféns.

Quando o coração desordena e dá novo rumo aos sentimentos, é porque o alguém, por quem os mesmos faziam eriçar a  pele, está perdendo ou já perdeu o encanto. E lutarmos pela contensão dos novos estímulos é quase sempre em vão.

Dizer que: “o coração está dividido”, é apenas uma maneira de iludirmos a razão; na verdade ele já formou um novo vínculo que vibra e nos deixa trêmulos, feito uma presa diante do seu predador, quando nos aproximamos do fruto que ele, feito leviano, necessita morder. Quando dizemos: “não sei o que aconteceu”, é porque já é hora de darmos ouvidos aos segredos do coração. Quando dizemos: “mas tudo mudou tão de repente”, é porque ainda não percebemos o quanto já foram desidratados os sentimentos anteriores e que aquela fonte secou, agora, precisamos de uma nova fonte para matar a sede do coração. Pois ele é sempre assim: revira-nos por dentro e, sem aviso, se antecipa à razão. E quando dizemos: “que meus instintos não falhem”, acabamos de nos “condenar” à conexão a ele e de assumirmos o desejo de ter esta chama afagada pelo abraço da nova paixão, explorando recantos que matem a sede de dois corações.

Se refazer é preciso

Se refazer é preciso
                   
    
 Se por obra do destino, a vida, com sua surdez, vier amordaçar sua razão de ser, e o ânimo de continuar buscando novas saídas, diga-lhe que já não te surpreende. Que há muito a mesma já não é sua razão de viver; que ser ou está com o que ela te proporciona, não é atrativo nem te causa lamento se a mesma tirar o resto que aparenta oferecer.

Com o passar do tempo aprendi que, quando ela, de forma alheia e apática aos sentimentos, tira de mim quem mais estimo, prezo ou amo, eu, para sobreviver, tento compensar me aliando ao tempo para refazer meu caminho. Sei que vencê-la não posso e ser seu boneco de manipulação, feito um títere, é o que lhe compraz, mas, mesmo com a alma caída, busco lhe mostrar que enquanto aqui ela me permitir, vou tentando sair dos barrancos, sem me alienar aos seus preceitos, e lhe mostrar que sou muito maior que sua mesquinhez. Que mesmo me fazendo em cacos, serei inteiro e eterno, na mente e no coração daqueles que, ao contrário dela, aprenderam gostar de mim.

Josué Firmino

Sentimento rude





Sentimento rude
   Quase sempre é por instinto que elegemos alguém para formar nosso inteiro. Os olhos selecionam e comunicam aos sentimentos, e estes logo se convencem que aquela é a pessoa que procuram; aí o coração, sem tino, já se encarrega de afluir ao confuso imaginário, conteúdos que, por carência, só ele conseguiu enxergar. Daí começa a tentativa de fazer o outro ver e sentir o que nós sentimos. E neste processo de se fazer percebidos, nos tornamos menino no seu primeiro estradar ... ferido, mas ainda encantado. E mesmo quando o outro percebe o nosso olhar e o eco ansioso do coração, e aceita junto caminhar, com o tempo, começamos tatear sentimentos no outro, necessitando encontrar o conteúdo que no início os estímulos anunciaram; e por muitas vezes, encontramos apenas as cascas de um recheio ilusório. E então, acabamos machucados, como tudo que se desordena. Machucados e teimosos, sempre prontos a nos expor a situações semelhantes. A pausa só dura enquanto os olhos do peito lacrimam, tentando cicatrizar fissuras, pelas quais, gotejam cochichos de um coração que, recolhido, agora só dispõe de um peito vazio sufocando seu eco.

  É nato da espécie se encantar com aparências, e numa busca sem questionamento, tentar atraí-las para formar seu inteiro; e nesta querença, não importam os arranhões; porém, quando o tempo desembaça o que por trás o outro se escondia, se mostram as trincas, e o encanto decai,  só então descobre-se de que cacos o outro é constituído.

    Sentimento é coisa rude, não importa quantas vezes é quebrado; disfarçado de quem já não é mais aprendiz, se enche de frases feitas e, na caça, se faz predador, sem saber que a mais frágil das presas, é capaz de levá-lo ao rastejo pelo enlace do coração.


Levado


  Levado
 
  

     O ser humano necessário é aquele que, pelas levadas da vida aprende a ser estrada, não para levar aonde queriam ir, mas a trajetos que devam seguir;

     Aprende a ser poeira, não para embaçar objetivos que precisem atingir, mas para que percam de vista o abismo que, por falta de maturidade, podem cair;

     Aprende a ser córrego, não para irrigar ilusões, muito menos encharcar sonhos, mas para manar o que podem florir;

    Aprende até ser cachoeira, não por vaidades, mas para quando houver a necessidade da queda, para poder fluir;

     Também aprende que, edificar-se para Viver, é entender que às vezes a vida nos faz brotar de vertentes que, assim como a correnteza, que se submete às quedas-d’água, também nos faz descer aos lamentos, e após ruminar a mente, podermos dizer que: mesmo feridos pelos tombos, conseguimos enxergar o caminho, e reunir forças para nos erguer.

Trancas de um coração


  Trancas de um coração
  

Em que consiste a fortaleza do tronco e o sacrifício anônimo das raízes, senão para servirem à realeza da árvore e condicioná-la a produzir frutos?

Mas, se há prazer no ato de servir, então, o que sente um peito, embalado por um coração que entoa indiferença aos reclamos dos que tangenciam seu caminho?

Um ser apático, também é murcho, o que é murcho, também seca, o que seca, também cai, o que cai, tende à “putrefação”, e nem tudo que se putrefaz, fertiliza.

Ter no peito um coração desobediente à razão, quase sempre é incômodo e rende sacrifícios. Por isso, poucos descobrem que, a consistência de um ser não estar só no que resulta da sequência do dia-a-dia, buscando sobressair-se no que supre as necessidades materiais, nem no cumprimento dos deveres; isto, como já dito, “são apenas as cascas da vida”, jamais irrigarão a essência que revigora e fertiliza um coração para acolher o que impele os seres à procura do belo. Este impelir leva o ser a repartir calor humano, e neste repartir, cumpre-se o que o leva à direita d’Aquele que agradeceu: “... Pois eu estava com fome, e vocês me deram de comer; eu estava com sede, e me deram de beber; ... todas as vezes que vocês fizeram isso a um dos menores de meus irmãos, foi a mim que o fizeram” (Mt 25:31-46).

Por isso, não aja só sob regras e no alcance da lógica e da razão, pois quem ama, costuma ultrapassar limites, consagrar o vinho, tomar o cálice e crucificar seus sentimentos.

Vê Paulo, que rodopiou e conseguiu status, e com eles, teve às mãos muito do que os olhos viram e o coração cobiçou, porém, só se saciou quando, por graça, provou a seiva que purifica e dá um espírito novo, dando-lhe consistência, direção e sentido à vida; e com sua necessidade divina, transbordou: “Ainda que eu falasse línguas, as dos homens e dos anjos, se em mim não tivesse o amor, seria como sino ruidoso ou como címbalo estridente. Ainda que eu tivesse o dom da profecia, o conhecimento de todos os mistérios e de toda ciência; ainda que eu tivesse toda fé, a ponto de transportar montanhas, se não tivesse o amor, eu não seria nada. Ainda que eu distribuísse todos os meus bens aos famintos, ainda que entregasse o meu corpo às chamas, se não tivesse o amor, nada disso me adiantaria...” (1 Co 13:1...).

Josué Firmino
   
     

Tropeços


     Tropeços

Sempre que os tropeços da vida te levarem ao chão, não contenha as lágrimas, elas lavam a alma e arejam a mente; pois apesar do peso no peito, aos poucos elas vão refazendo o ânimo, e entre suspiros cortados, vão te mostrando como fazer outro inteiro. E talvez se reconstrua bem melhor que o anterior. Por isso não se veja vencido; recolha-se, e ouça o coração. Não lhe permita se esvaziar de bons sentimentos, pois sem eles o peito seca, e seco, não pode germinar novos sonhos. Tente convencê-lo de que as quedas de um aprendiz machucam, mas cicatrizam, e servem para amadurecer o equilíbrio no desviar dos espinhos. Diga-lhe que nos entremeios dos momentos insípidos, surgem essências capazes de regenerar e reerguer o que se desmoronou. Diga-lhe que, aquele que sofre por um desejar quebrado, também é capaz de remontar os pedaços e se irrigar para um novo desabrochar. Quem sabe ela, a vida, estar querendo te levar a outro estágio, que você antes não conseguia enxergar.

Josué Firmino  

                                     

Linguagem do silêncio


Linguagem do silêncio


   Quando o amor age em silêncio, se expressa com mansidão; se jorra num olhar distante e delira-se na imaginação... e quando se cruza com o que lhe causa desejo, converge-se em gestos carentes, pedindo socorro ao colo ao qual deseja ter acolhimento. Os lábio? Pronunciam apenas um acanhado sorriso, enquanto por dentro, lateja o coração que, quando não acolhido, recolhe-se e, com o rolar de uma lágrima, feito uma gota que desliza de uma folha orvalhada, descreve seus sentimentos; sentimentos que anunciam um corpo dependente e ardente pelo desejo de esgotar seu vazio na imersão de um abraço que, em chamas, clama pelo ato que acalma o cio, e este, depois de embebido e tonto, compassa os batimentos e o fervor da respiração.

Frágil razão


   Frágil razão


   Cuidei de ti, como o borrifo cuida da roseira em dias de sol ardente, esperando como recompensas o exibir da flor, anunciando estar pronta para conceber o fruto. Com a mesma esperança, gerada pela insinuação de um certo excitar, zelei de você, como alguém que numa mistura de cores, busca o tom que possa colorir o que, entre a moldura, há muito tempo era em preto e branco. E crendo que neste insinuar havia um fundo de verdade, e movido pelo coração, sem juízo, perdi o medo e expus os sentimentos; porém, como num desabar, esbarrei-me na decepção que não esperava ter ... Caído, e quase convencido de que: estava vendo uma flor naquilo que ainda era um botão, retraí-me e fui reclamar ao coração, para que não mais me expusesse a encantos descabidos, fazendo-me pagar um preço já previsto e ecoado pela voz da razão. Mas ele, teimoso e impulsivo, se fez indiferente ao racional, e continua focando a direção do olhar no que lhe descompassa, no intuito de me fragilizar e me conduzir pelos caminhos que ele impulsionar; e com um ímpeto de vencedor, arremessa-me à urgência de quem procura matar a sede em tempos de águas secas.

Um tal beija-flor


Um tal beija-flor

                 
   Quando o desejo me arrebatou e os estímulos eriçaram a pele, o coração a eles se conectou; e sem aviso, me envolveu nesta sequência... Mas, como a rosa ainda era botão, o instinto me aconselhou a esperar o desabrochar da flor, me fazendo escravo do enlevo e servo da irrigação. Porém, no seu primeiro exalar, um atrevido e bicudo beija-flor roubou de mim, o pólen daquela, pela qual, o ritmo dos batimentos tanto oscilou, na ansiedade pelo momento residente e flutuante do vaivém viçoso das ancas, que por caprichos alheios, o meu estame não inaugurou.

Cacos de mim


Cacos de mim


Na infância, achamos ter a propriedade do que não nos pertence. Terminando a adolescência, descobrimos que se desbotaram as cores com que pintávamos nossos sonhos. E após enxergarmos as ilusões, começamos entender que, em busca do incerto, deixamos escapar oportunidades e pessoas, que hoje, podem estar nos fazendo provar o sabor do viver por viver.
 Neste virar dos dias, vão ficando pedaços de um ser que, raramente será reconstituído. E, se repostos, já perderam o viço. Descobre-se que, o ser continua inteiro, porém não está todo vivo; pois uma árvore seca pode até balançar, mas já não faz o farfalhar das folhas, nem traz o frescor do vento.

Interdito


  


  Desejos são como fontes que, por mais que as rochas sejam rígidas, conseguem fiar gotas tímidas que vão fertilizando o solo e gerando vidas. Assim também são os desejos, quando nos invadem, penetram o peito e nos consomem, feito água em areia seca, e às pressas vão deixando o corpo e a alma à deriva de céu e inferno.


Josué Firmino