domingo, 1 de março de 2020
Lágrimas
Inteiro por pedaços
Folhas em branco
Palavras soltas
Palavras soltas vão-se com o vento; às vezes até ouvidas, mas vão se dispersando feito fragmentos de um calendário que o tempo esgotou; ou quando escritas, são deixadas em alguns recantos, assim como frases amareladas, esquecidas entre as folhas de um livro que um dia lemos. Por mais precisas que sejam, não mudam comportamentos, quando estes são movidos por desejos e buscas descabidas, pois sentimento é coisa desnorteada, desconhece a disciplina e a razão. Quando obstinado, perde a noção de limites e comporta-se com a pressa de quem não avalia se está prestes a ser presa ou predador. Pois só reflete quando é depreciado e deixado só. Mesmo assim, não demora ter nova sede e ordenar o desejo a se cumprir.
Aos ventos
Ficar ou ir?
Entre desistir ou seguir, vale mais apena ir. Fugir, cedo ou tarde, vai te fazer lamentar por não ter como saber o que a ida teria a te oferecer.
Amadurecer é entender e aceitar que não há caminhada sem descaminho; que para colher a flor, temos que nos expor aos espinhos. Que mesmo com os olhos inundados e o coração torcido, temos que trilhar o presente e o porvir até o calendário de cada um esgotar.
Palavras que não refletem
Sinto-me incapaz de sentir o resto de umidade que há num tronco seco, assim como me sinto incapaz de sentir o que falam as palavras de frases secas que dizem “compor” poesias. Talvez falte em mim o que tem as raízes que se enfiam nas terras secas e irrigam o verde das caatingas, encontrando vida onde não aparenta ter.
“Petiscos” da vida
Como estou!? (Aos Céus)
Quem é que...?
"Viajantes"
O que Paulo disse: “Então, já não seremos crianças, jogados pelas ondas e levados para cá e para lá por qualquer vento de doutrina, presos pela artimanha dos homens e pela astúcia com que eles nos induzem ao erro ...” (Efésios 4:14), também vale para cada um, como seguimento de vida. Não é bom ir pegando cada onda que surge, levando a qualquer lugar.
Seja vigilante, pois o “aproveitar” o momento é ilusório, e logo após o desconectar-se, o ser é depreciado, e por isto, é levado a buscar saídas emergentes, porém, aos tombos, nem sempre acha o rumo que o leve à fonte que goteja o evitar do dissabor.
Coisas do coração
Se refazer é preciso
Se por obra do destino, a vida, com sua surdez, vier amordaçar sua razão de ser, e o ânimo de continuar buscando novas saídas, diga-lhe que já não te surpreende. Que há muito a mesma já não é sua razão de viver; que ser ou está com o que ela te proporciona, não é atrativo nem te causa lamento se a mesma tirar o resto que aparenta oferecer.
Com o passar do tempo aprendi que, quando ela, de forma alheia e apática aos sentimentos, tira de mim quem mais estimo, prezo ou amo, eu, para sobreviver, tento compensar me aliando ao tempo para refazer meu caminho. Sei que vencê-la não posso e ser seu boneco de manipulação, feito um títere, é o que lhe compraz, mas, mesmo com a alma caída, busco lhe mostrar que enquanto aqui ela me permitir, vou tentando sair dos barrancos, sem me alienar aos seus preceitos, e lhe mostrar que sou muito maior que sua mesquinhez. Que mesmo me fazendo em cacos, serei inteiro e eterno, na mente e no coração daqueles que, ao contrário dela, aprenderam gostar de mim.
Sentimento rude
É nato da espécie se encantar com aparências, e numa busca sem questionamento, tentar atraí-las para formar seu inteiro; e nesta querença, não importam os arranhões; porém, quando o tempo desembaça o que por trás o outro se escondia, se mostram as trincas, e o encanto decai, só então descobre-se de que cacos o outro é constituído.
Sentimento é coisa rude, não importa quantas vezes é quebrado; disfarçado de quem já não é mais aprendiz, se enche de frases feitas e, na caça, se faz predador, sem saber que a mais frágil das presas, é capaz de levá-lo ao rastejo pelo enlace do coração.
Levado
O ser humano necessário é aquele que, pelas levadas da vida aprende a
ser estrada, não para levar aonde queriam ir, mas a trajetos que devam seguir;
Aprende a ser poeira, não para embaçar objetivos que precisem atingir, mas para que percam de vista o abismo que, por falta de maturidade, podem cair;
Aprende a ser córrego, não para irrigar ilusões, muito menos encharcar sonhos, mas para manar o que podem florir;
Trancas de um coração
Em que consiste a fortaleza do tronco e o sacrifício anônimo das raízes, senão para servirem à realeza da árvore e condicioná-la a produzir frutos?
Mas, se há prazer no ato de servir, então, o que sente um peito, embalado por um coração que entoa indiferença aos reclamos dos que tangenciam seu caminho?
Um ser apático, também é murcho, o que é murcho, também seca, o que seca, também cai, o que cai, tende à “putrefação”, e nem tudo que se putrefaz, fertiliza.
Ter no peito um coração desobediente à razão, quase sempre é incômodo e rende sacrifícios. Por isso, poucos descobrem que, a consistência de um ser não estar só no que resulta da sequência do dia-a-dia, buscando sobressair-se no que supre as necessidades materiais, nem no cumprimento dos deveres; isto, como já dito, “são apenas as cascas da vida”, jamais irrigarão a essência que revigora e fertiliza um coração para acolher o que impele os seres à procura do belo. Este impelir leva o ser a repartir calor humano, e neste repartir, cumpre-se o que o leva à direita d’Aquele que agradeceu: “... Pois eu estava com fome, e vocês me deram de comer; eu estava com sede, e me deram de beber; ... todas as vezes que vocês fizeram isso a um dos menores de meus irmãos, foi a mim que o fizeram” (Mt 25:31-46).
Por isso, não aja só sob regras e no alcance da lógica e da razão, pois quem ama, costuma ultrapassar limites, consagrar o vinho, tomar o cálice e crucificar seus sentimentos.
Vê Paulo, que rodopiou e conseguiu status, e com eles, teve às mãos muito do que os olhos viram e o coração cobiçou, porém, só se saciou quando, por graça, provou a seiva que purifica e dá um espírito novo, dando-lhe consistência, direção e sentido à vida; e com sua necessidade divina, transbordou: “Ainda que eu falasse línguas, as dos homens e dos anjos, se em mim não tivesse o amor, seria como sino ruidoso ou como címbalo estridente. Ainda que eu tivesse o dom da profecia, o conhecimento de todos os mistérios e de toda ciência; ainda que eu tivesse toda fé, a ponto de transportar montanhas, se não tivesse o amor, eu não seria nada. Ainda que eu distribuísse todos os meus bens aos famintos, ainda que entregasse o meu corpo às chamas, se não tivesse o amor, nada disso me adiantaria...” (1 Co 13:1...).
Tropeços
Sempre que os tropeços da vida te levarem ao chão, não contenha as lágrimas, elas lavam a alma e arejam a mente; pois apesar do peso no peito, aos poucos elas vão refazendo o ânimo, e entre suspiros cortados, vão te mostrando como fazer outro inteiro. E talvez se reconstrua bem melhor que o anterior. Por isso não se veja vencido; recolha-se, e ouça o coração. Não lhe permita se esvaziar de bons sentimentos, pois sem eles o peito seca, e seco, não pode germinar novos sonhos. Tente convencê-lo de que as quedas de um aprendiz machucam, mas cicatrizam, e servem para amadurecer o equilíbrio no desviar dos espinhos. Diga-lhe que nos entremeios dos momentos insípidos, surgem essências capazes de regenerar e reerguer o que se desmoronou. Diga-lhe que, aquele que sofre por um desejar quebrado, também é capaz de remontar os pedaços e se irrigar para um novo desabrochar. Quem sabe ela, a vida, estar querendo te levar a outro estágio, que você antes não conseguia enxergar.
Linguagem do silêncio
Quando o amor age em silêncio, se expressa com mansidão; se jorra num olhar distante e delira-se na imaginação... e quando se cruza com o que lhe causa desejo, converge-se em gestos carentes, pedindo socorro ao colo ao qual deseja ter acolhimento. Os lábio? Pronunciam apenas um acanhado sorriso, enquanto por dentro, lateja o coração que, quando não acolhido, recolhe-se e, com o rolar de uma lágrima, feito uma gota que desliza de uma folha orvalhada, descreve seus sentimentos; sentimentos que anunciam um corpo dependente e ardente pelo desejo de esgotar seu vazio na imersão de um abraço que, em chamas, clama pelo ato que acalma o cio, e este, depois de embebido e tonto, compassa os batimentos e o fervor da respiração.
Frágil razão
Cuidei de ti, como o borrifo cuida da roseira em dias de sol ardente, esperando como recompensas o exibir da flor, anunciando estar pronta para conceber o fruto. Com a mesma esperança, gerada pela insinuação de um certo excitar, zelei de você, como alguém que numa mistura de cores, busca o tom que possa colorir o que, entre a moldura, há muito tempo era em preto e branco. E crendo que neste insinuar havia um fundo de verdade, e movido pelo coração, sem juízo, perdi o medo e expus os sentimentos; porém, como num desabar, esbarrei-me na decepção que não esperava ter ... Caído, e quase convencido de que: estava vendo uma flor naquilo que ainda era um botão, retraí-me e fui reclamar ao coração, para que não mais me expusesse a encantos descabidos, fazendo-me pagar um preço já previsto e ecoado pela voz da razão. Mas ele, teimoso e impulsivo, se fez indiferente ao racional, e continua focando a direção do olhar no que lhe descompassa, no intuito de me fragilizar e me conduzir pelos caminhos que ele impulsionar; e com um ímpeto de vencedor, arremessa-me à urgência de quem procura matar a sede em tempos de águas secas.
Um tal beija-flor
Quando o desejo me arrebatou e os estímulos eriçaram a pele, o coração a eles se conectou; e sem aviso, me envolveu nesta sequência... Mas, como a rosa ainda era botão, o instinto me aconselhou a esperar o desabrochar da flor, me fazendo escravo do enlevo e servo da irrigação. Porém, no seu primeiro exalar, um atrevido e bicudo beija-flor roubou de mim, o pólen daquela, pela qual, o ritmo dos batimentos tanto oscilou, na ansiedade pelo momento residente e flutuante do vaivém viçoso das ancas, que por caprichos alheios, o meu estame não inaugurou.
Cacos de mim
Interdito
Desejos são como fontes que, por mais que as rochas
sejam rígidas, conseguem fiar gotas tímidas que vão fertilizando o solo e
gerando vidas. Assim também são os desejos, quando nos invadem, penetram o
peito e nos consomem, feito água em areia seca, e às pressas vão deixando o
corpo e a alma à deriva de céu e inferno.
Josué Firmino