Folhas em branco
Dependendo
do meio ao qual é destinado a nascer, cada ser, ao vir à luz, é levado a uma
sequência de passos, para os quais, não faz nenhum estágio, não recebe nenhum
manual ou mapa, sequer uma alusão, apenas lhe é destinado, sem saber, um caderno
com folhas em branco. Cada caderno tem a mesma quantidade de matérias, que
representam as etapas a cumprir. Esta quantidade é comum para todos; o que
varia é o número de folhas. Enquanto uns têm muito a escrever sobre tal
período, outros têm muito pouco ou até mesmo nada. Para alguns, é algo muito
prazeroso preencher as pautas, para outros não passa de uma brincadeira de mau
gosto. Enquanto muitos se deliciam, ocupando várias folhas da sua etapa, outros
só conseguem rabiscar, e por vezes, são rabiscos secos, pois foram espremidos e
remoídos pelas prensas da vida.
Alguns
preferem chamar este caderno de quebra-cabeça da vida. Eu prefiro chamá-lo de
peleja dos dias atuais, tentando engrenar os dias futuros.
Muitos
acham que podem correr as pautas do seu caderno, bem a seu bel-prazer; e talvez
assim cumpram seu papel ilusório sem ser necessário amadurecerem; outros, têm o
“privilégio” de descobrirem que nas pautas, já há, em cor pálida, escritos que
eles apenas devem cobrir. Descobrem também que nem todos os cadernos são em
preto e branco; que os que nascem em meios privilegiados, recebem cadernos em
cores, e os não favorecidos os recebem em cor parda. E eu fico a imaginar: de
qual cor devem ser os cadernos dos mortos vivos da África? Que cores devem dar
à sua “bem-aventurança”, por terem vindo à “vida”?
No meu caderno, posso até dizer que
encontrei algumas folhas que ensaiavam algo a colorir, mas, quando por frestas,
enxerguei grandes molduras expondo quadros em preto e branco, elas se
sombrearam antes de refletirem qualquer cor.
Nestes momentos de reflexão e comoção à
flor dos sentimentos, surge a sensação de que, em cada página virada, ficaram
entremeios obscuros que fizeram perder de vista a estrada a tomar, obrigando
buscar atalhos que desviaram ou retardaram o que se pensava alcançar. E a nós,
figurantes, não cabe saber se cumprimos bem ou não a figuração; certo é que, um
dia, escritos e rabiscos receberão seu ponto final.
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