Textos de/para reflexão
Naquele instante
Ferido e caído, sem forças pra
levantar; apenas tentando continuar; sem o menor resíduo de resistência; sem a
menor possibilidade de suportar sobre si mais um grama; desfalecido, entregue
ao momento desencadeador do concreto e do abstrato; entre o sólido e o abrir as
asas para o desconhecido; entre o inspirar e o não liberar a expiração; entre o
continuar e a terminação; completamente entregue ao minúsculo instante da
extração do que se tritura para liberar o sumo; entre a filtração do insubstancial
e a substância; no momento último do fim e o iniciar da devolução; no escapar
do ajuntamento de uma fenda; bem aí, logo aí, a vida desvia o olhar e alheia-se
à cruciação.
Então, o que pode nos aliviar?
Alguém responde: a esperança de que
Ele nos volte Sua face e mais uma vez diga: “num ímpeto de ira, por um momento
eu escondi de você o meu rosto; agora, com amor eterno, volto a me compadecer
de você” (Is 54:8).
Senão ...
O que diz o espinho
quando fura a mão que se direciona à flor?
O que quer a
fonte com a insistência de vencer obstáculos até ser envolvida pelo abraço do
mar?
O que custa
à semente a missão de produzir nova vida?
O que faz
alguém sacrificar sua identidade para que os outros se identifiquem?
O que faz um
pai sombrear seus sonhos para que a vida seja refletida na realização de seus
filhos? E a mãe, que logo após o sacrifício do parto, se reconstitui
aconchegando seu recém-nascido?
O que moveu
o Criador a nos criar à Sua imagem e semelhança?
O que nos
deixa em ruínas quando somos separados de alguém que nos faz bem?
O que diz o
último suspiro quando o corpo decide não querer continuar?
O que diz o
lamento na hora do aceno de um adeus?
O que diz o abraço na hora do tão esperado
encontro?
O que nos
revela a ansiosa espera por nossa outra metade?
O que é o
ato de misericórdia, de compaixão, de ser solidário ou de dar a mão?
O que é
capaz de reerguer alguém depois da decepção?
O que é o
vínculo que faz unir dois seres, fiando o destino de duas vidas?
O que é o
selo que identifica a renovação de uma vida?
O que é o
pôr do sol, a noite de luar, o cancionista melodiando sua inspiração?
Ah! O que é o recheio da vida senão o amor?
Avesso
No nosso caminhar o tempo e trajetar a vida,
encontramos pessoas que passam, outras que vão e outras que ficam. Muitas andam
na mesma direção, mas poucas no mesmo sentido. Algumas até tentam o lado a
lado, mas por falta de obstinação e na ânsia de antecipar o futuro, ficam a
degustar o instantâneo enquanto roem a vida.
Nesse processo de escalar o tempo e “alcançar” o
que a vida tem a oferecer, os cruzamentos prescritos nos jogam no peito pessoas
que por vezes nos arrastam pelos encantos que parecem ter; e alheios à dor que
podemos sentir, esses prescritos mostram que o calendário da convivência faz
cair o véu e revelar o que por trás dele parecia puro e perfeito; e depois de
dissolver o fascínio e desnudar o belo, faz este mostrar seu avesso e
expor o que nos tira o sorriso; e ainda, como castigo, nos força crescer e, com
o coração ferido, entender que, se as expressões dos nossos sentimentos não
conseguiram fiar o vínculo naquele que de nós se desgarrou é porque a vida nos
destina, ainda, a outro caminhar...
CRUZADOS
Pensar em se libertar do que o
destino em silêncio nos traçou, é inocente e em vão. Relutâncias há, mas
escorrem do domínio das mãos. Absorver esta percepção é necessário para não se
deixar esvaírem os pontos ingredientes da porção; pois a vida é uma maratona e
a estrada é percorrida por etapas; cumpri-las e chegar ao topo, dispensa tempo
para a rejeição. Assim, não vale a pena retardar o cruzar dos pontos de
interseção, mas sim, trilhar pela trajetória demarcada e colher o que já se
alcança, pela prescrição.
DESFOLHAR
Há intervalos na vida em que
fantasias e encantos são desnudados à medida que o amadurecer, vai enxergando o
avesso das perspectivas mais almejadas. O que parecia tocável, com o desfolhar
do tempo é distanciado ou esvaído do nosso alcance.
Há entrefolhas impiedosos e alheios à
nossa condição humana; ignoram nossos limites e, impondo novo reinício, sem
entremeios para estágios e simulações, nos levam a identificar a saída, ainda
embaçada pelo véu da incerteza e o abstrato da insegurança.
Feliz é aquele que consegue
adestrar seus dias e, na fluidez do tempo, reconstituir-se e sentir conforto,
desfolhando o diário do início e fim de histórias e criaturas.
DE QUE
VALE...?
Que satisfação tem o pássaro de belo canto, se não atrai a fêmea que está no
cio? Seria esta a razão do canto triste do uirapuru?
Que satisfação tem a cachoeira,
se não atrai o olhar daquele a quem está a respingar?
Que satisfação tem a frondosa árvore,
se seu sombrear não areja a quem está a fadigar?
Que satisfação tem a mais alta
montanha, se lá do topo, seu olhar é solitário?
Que satisfação tem a boa música, se
não comove quem a inspirou?
Que satisfação tem a flor, se antes
de murchar, não atrai um polinizador?
Que satisfação tem a bela mulher, se,
com seus apetrechos, não consegue canalizar a admiração e o desejo daquele a
quem pretende imanizar?
Que satisfação tem o tempo, se o
pular das horas não impulsiona nem vincula ninguém ao verbo amar?
Que satisfação tem aquele que, ao se
recolher no seu ninho, não tem a quem se aconchegar?
Que satisfação tem aquele que, ao ter
por perto o que lhe acende a chama, é coibido sorver o que lhe inflama?
Que satisfação tem aquela que, na
seqüência do “estradão”, inaugura o romper do “véu” sem fiar a pureza do
sentimento recíproco?
Que satisfação tem o poeta, se sua
flecha não crava a maçã almejada, nem sua saliva prova o sabor da sua
imaginação?
Que satisfação tem aquele que
flui a letra e o canto, quase sacro, se não frui da relíquia que o inspirou a
compor a canção?
Renascer...
Estou indo, aonde ainda não sei, mas
espero descobrir num fechar e abrir de olhos. Nem sei também o que será pior,
se largar o fardo ou ir rumo ao desconhecido. Certo é que, lamentar não devo. É
que, fora algumas boas companhias, todos os demais petrechos que a peleja me
proporcionou, não valeu por um só dos reincidentes coices que a vida me
deflagrou. espero que a próxima fase
seja algo sem tombos e machucões, nem períodos desoladores. O que temo, se vier
renascer é: para que lado o Senhor da ressurreição me puxará?
Sobre a fase já terminada, digo-lhes que tentei
viver tudo que a vida não me permitiu, mas vivi quase tudo que não queria
viver. Com as proporções a mim concedidas jamais completaria um todo, por
minúsculo que fosse. Condensar um fio de fé capaz de minar córrego e arejar
densas esperanças, foi o que mais busquei em oração e conversa a dois, em
vão... e a promessa de sondar o coração, não me pareceu cumprida. Sonhei com
horizontes coloridos, mas recebi o papel dos reprimidos. Nasci para viver...
sem saber, recebi as regras do recolher-se e, quase morrendo, tive que ser
aprendiz. O que ainda me contenta é outra promessa, que diz ser vitorioso todo
aquele que perseverar até o fim.
Diante do instante sem opção, parto
para o incerto com a certeza de que, lá também não terei direito de escolha,
apenas aguardar a pronúncia do dito final.
Recantos
Se a vida me dissesse que é generosa, eu lhe diria que não é humana. Que
é ferrenha na forma de distribuir a destinação dos seus residentes. Determina a
multiplicação dos seres para sua tirânica satisfação; destina seres inocentes e
indefesos aos recantos mais indesejáveis e lhes impõe limitações; coage-os a
margens onde só os roedores se sentem bem. Trata-os como refugo de um produto
que passa por uma classificação e o resto é jogado à putrefação. São
repugnantes os argumentos de que eles serão exaltados na “reciclagem” da
renovação. É sem sentido expor um ser amado ao sofrimento e depois de
esfacelá-lo se fazer seu salvador. De que precisa ser ele perdoado? Ora, se aos
ecos de dor não merecem dar ouvidos, que sentido tem o cálice da cruciação? Que
utilidade tem o remédio se é dado quando não há mais dor?
Amar tem limites
Você seria capaz de amar, incondicionalmente?
Se sua
forma de amar é se doar de forma exclusiva a alguém que sequer avalia teus
sentimentos, é bom parar, refletir, e tentar aprender com quem criou e com quem
entregou a vida por amor. Ele vai te ensinar que quem ama é ciumento e
exigente: (“... Não se proste diante de outro deus, porque Javé
é ciumento: ele é um Deus ciumento. ...”, Ex 34:14 ...) e não abre mão
da fidelidade; reclamações então... nem murmúrios! (Nm
21:4-6); exige glória, mesmo quando parece estar dando migalhas. É como se o ar
e os poucos grãos, já fossem o bastante. Mesmo amando muito seus filhos, quando
estes, em sofrimentos, lhe pedem para aliviar suas dores, Ele não
se joga, na pressa do livramento. Foi assim em todo o Êxodo. Quando Paulo, sob
espancamentos, lhe pediu por três vezes para que o livrasse do
que ele chamou de espinho na carne, quem mais o amava disse: “Para você
basta a minha graça” (2 Co 12:9...). Isso mostra que, amar não é
isentar o outro de retribuição. Se a quem ama cabe dar amor, a quem é amado
cabe mostrar que merece o amor recebido. Se o amor fosse algo incondicional,
Deus não teria feito cair o anjo rebelde com sua corja. O apanhar e oferecer a
outra face é apenas, para quando for necessário fazer refletir e surpreender o
agressor.
O
Filho, quando veio nos visitar, trouxe as regras da justiça e da harmonia para
a boa convivência, e com o segundo mandamento, ensinou a amar, mas não deixou
de alertar que, primeiro deve ter amor próprio: “ame ao seu próximo
como a si mesmo” (Mt 22:37-40); ensinando assim que, quem se ama,
não pode amar qualquer coisa, nem de qualquer jeito. Portanto, ame à medida que
for amado(a) e doe-se à medida que receber. Com certeza, irá descobrir que
apesar de tudo, mesmo entre espinhos, a vida tem favos ainda com mel, para
vigorar teu corpo e alma, e te ensinar as várias formas de conjugar o verbo
amar.
Amar
não é se dissolver para matar a sede do que chega com o: “ô de casa!” e
vai-se deixando rastros indesejáveis.
A
versão original do amor é outra, é condicional e depende do SE:
“... Purifiquem-se... Então venham e discutiremos. Ainda que seus
pecados sejam vermelhos como púrpuras, ... SEEE vocês
estiverem dispostos a obedecer, comerão os frutos da terra; mas, SE
vocês recusam e se revoltam, serão devorados pela espada.” (Is 1:16 ...).
Fora
do SE, são adereços e variações acrescidas para favorecer a
instintos que só aprenderam manipular.
Reviver
Quando a vida me faz cair e
arrasta-me por veredas indesejáveis, e sinto estar sendo consumido pelo vácuo
do peito, sou levado a me recolher, e este recolhimento aponta-me o teu colo,
no qual, choro baixinho aos ouvidos do teu coração, quando os cochichos deste,
acalentando-me, me recompõem e me fazem ver que as quedas, são apenas
rascunhos de uma página que juntos, passando a limpo, iremos escrever.
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